Eduardo Medina
Neurorradiologista do Centro de Neurocirurgia de Lisboa. Ex-neurorradiologista do Hospital de Egas Moniz
ORIGENS (breve resumo histórico)

O Professor Júlio Xavier de Matos (1856 – 1922), Professor de Psiquiatria da Faculdade de Medicina do Porto transfere-se para Lisboa em 1913, após o assassinato de Miguel Bombarda, para dirigir o Hospital Miguel Bombarda, então completamente saturado. Com a intenção de o substituir rapidamente, o Hospital Júlio de Matos (HJM) é mandado construir, em 1913, com o nome de “Manicómio de Lisboa”.

A planta arquitectónica previa a construção de 33 pavilhões, com  Biblioteca, Museu, Serviço de Radiologia e capacidade para 800 camas. A construção, em duas fases,  demora 30 anos a ficar pronta!

A 1ª fase, presidida pelo Professor Júlio de Matos, inicia a construção em 1914 e dura até 1932. Para aumentar a área de construção, o Professor Júlio de Matos terá adquirido terreno por 3 tostões o metro quadrado! Desgostoso com o atraso da construção, o Professor Júlio de Matos propõe ao  Ministro do Governo a suspensão da obra. O ministro responde que tivesse paciência porque era “apenas” um hospital para loucos. O professor responde “Loucos senhor Ministro?! Mais loucos do que os loucos são, por vezes, aqueles de quem dependemos“.

A 2ª fase tem inicio em 1934, com a Comissão de Construção presidida pelo Professor Sobral Cid e o Arquitecto Duarte Pacheco que dão andamento aos trabalhos de prolongamento e duram até 1942. Em Março de 1947 começa a funcionar o Serviço de Neurocirurgia no pavilhão 26.

Com a criação do Serviço de Neurocirurgia os exames passam a ser efectuados no Serviço, principalmente as angiografias cerebrais e as encefalografias gasosas. Os estudos de coluna e medula,  os raios X simples e as radiculo-mielografias positivas com contraste oleoso hiperdenso (Lipiodol) (que mesmo depois de aspirada deixa grandes resíduos), ou negativas  com ar,  continuam a ser  realizados no Serviço Central de Radiologia do HJM.

Em Agosto de 1948, realiza-se o 1º Congresso Internacional de Psicocirurgia, de grande prestígio, presidido pelo Professor Egas Moniz e pelos Vice Presidentes Professores António Flores, Barahona Fernandes e Almeida Lima.

A 30 de Janeiro de 1950, o Instituto para a Alta Cultura promove a criação do Centro de Estudo Egas  Moniz dedicado ao estudo da Neurologia, Psiquiatria e investigação  no domínio da Neurocirurgia.

Iniciado e presidido por Egas Moniz, o Centro é transferido para o Hospital de Santa Maria em 1957, onde ainda funciona, agora presidido pelo Professor José Ferro.

Nos anos 70, estão no Serviço de Neurocirurgia do Hospital Júlio de Matos o Dr. Céu Coutinho (Director) e o  Dr. Ernesto Gomes Machado, com a colaboração da anestesista Dra. Maria Luísa Tavares, anestesista dos Hospitais Civis de Lisboa.

Até 1974, os exames neurorradiolgicos são realizados por  colaboradores do Professor Egas Moniz,  do Centro de Estudo Egas Moniz, os neurocirurgiões Professor Joaquim Inácio da Gama Imaginário (1909-1970), o Professor Pedro Manuel Urbano de Almeida Lima (1903-!985) e Dr. Artur Céu Coutinho(1924-1991). Posteriormente, os Internos de Neurocirurgia do Hospital de Santa Maria, Professor António Trindade e Dr. Raul Nobre continuam a realizar exames no HJM.

Em 1974, sob influencia do neurocirurgião Dr. Céu Coutinho, então Secretário de Estado da Saúde do V Governo Provisório, é criado o Centro de Neurocirurgia de Lisboa( CNL), pela portaria 577/75 do Ministério das Finanças e dos Assuntos Sociais, publicada em Diário do Governo Nº 221/1975, Série 1 de 1975-09-24, com autonomia total e todo o pessoal do Serviço de Neurocirurgia do Hospital Júlio de Matos passa para o Centro de Neurocirurgia de Lisboa.

O CNL tinha duas enfermarias de mulheres e duas enfermarias de homens, um quarto particular, dois gabinetes médicos, um do Director e outro do neurocirurgião Chefe, sala de contabilidade, um pequeno refeitório para doentes e outro para pessoal, um bloco operatório modernizado, com aparelho portátil de Rx,  microscópico cirúrgico, sala de recobro, sala de desinfecção e de esterilização.

Com a Direcção do Dr. Céu Coutinho e a orientação do Neurocirurgião Dr. José António Martins Campos, regressado de Edimburgo,  entram para o Serviço os internos de neurocirurgia Drs. Pratas Vital, Hasse Ferreira, Elsa Figueira,  Manuel Dominguez e mais tarde Sérgio Figueiredo e Alcides Serafim. Colaboram no Serviço os Neurologistas Nuno Ribeiro e Luís Guerra, a Anestesista Maria Adelina Ribeiro e a Enfermeira Chefe Maria Clara, que coordenava várias enfermeiras e pessoal auxiliar.

A NEURORRADIOLOGIA DO CENTRO DE NEUROCIRURGIA DE LISBOA

Em Março de 1976, por sugestão do Dr. Pratas Vital, o especialista em radiodiagnóstico Eduardo Medina, interessado nos exames do sistema nervoso central, aceita o convite do Dr. Céu Coutinho para ser responsável dos exames neuroradiológicos. Em 1979, toma posse do lugar de Especialista de Neurorradiologia da Carreira Médica Hospital através de Concurso com provas públicas.

Nessa época, o CNL tinha como equipamento um antigo craniógrafo Elema Schὅnander, com ampola de foco grosso e fino, braço em “C” móvel e dois escamoteadores  manuais de películas que depois eram reveladas habitualmente em câmara escura pela Técnica de Radiologia Emília Pires e a auxiliar  Dona Arminda. Com o craniógrafo eram efectuadas as radiografias das várias incidências do cranio, dos seios péri-nasais, ouvidos, sela turca e coluna cervical e alguns exames especiais como as angiografias cerebrais e as encefalografias gasosas. As radiografias da coluna dorsal e lombar, as mielografias e as radiculografias continuaram a ser realizadas no serviço Central de Radiologia do Hospital Júlio de Matos, cujo director era  Dr. Henrique Torres.

O precioso apoio do Dr.  Martins Campos e do Dr. Pratas Vital na realização das primeiras angiografias e mielografias foi fundamental no desenvolvimento das técnicas de punção arterial e lombar.

As reuniões clínicas semanais com todos os médicos e visita às enfermarias foram de grande valor na formação dos neurorradiologistas que assim adquiriram uma cultura clínica de inegável ajuda na compreensão dos sindromes neurológicos, auxiliando a interpretação das imagens.

A  realização da angiografia cerebral, nessa altura, era uma verdadeira obra! Picada transcutânea da artéria carótida primitiva, ou um  pouco mais acima, da corótida interna, ou da vertebral  picada através do espaço entre as apófises transversas, por via anterior,  com agulha de punção lombar e injecção com seringa de vidro, com força (uma das vezes partiu-se a seringa e feriu o médico na palma da mão e em dois dedos). Como o escamoteador manual só permitia 2 disparos na incidência antero-posterior e 3 disparos na incidência de perfil, havia que sincronizar a injecção com os disparos da ampola e com o retirar das gavetas  de películas, implicando grande concentração de 3 pessoas , deste modo: O médico injecta o contraste e diz para a técnica  dispare fase arterial – imediatamente diz para a enfermeira tire, o médico soletra mentalmente  33 e diz para a técnica disparefase capilar – e diz de seguida  para a enfermeira tire, depois novamente 33 -> dispare -> tirefase venosa.

Esta sequência rápida – injecta-> dispare-> tire-> pausa-> dispare-> tire-> pausa-> dispare->tire, nem sempre corria bem, o que desesperava toda a gente, principalmente o neurorradiologista. Às vezes, à voz de dispare dirigido à técnica, a enfermeira com  o nervosismo  retirava a gaveta durante o disparo! È claro, que a impressão ficava desfocada e implicava nova injecção e nova sequência. Para completar o quadro, entre cada sequência, a técnica tinha que ir à câmara escura revelar as películas e dizer se as imagens tinham ficado boas para depois serem fixadas e secadas. A mão esquerda do executante da injecção tinha que estar bem firme e fixada para evitar que a agulha se movesse durante a injecção e saísse da artéria (embora raro), implicando nova picada.

Todas estas dificuldades são explicadas ao Dr. Paulo Mendo, neurologista do Serviço do Professor Corino de Andrade, com treino neurorradiológico realizado no Serviço do Professor Auguste Wakenheim, em Strasburgo. Interessado pelo projecto apresentado de modernização do equipamento de radiologia do CNL, inclui o pedido no XVII Plano de Reapetrechamento.

Assim, o antigo Craniógrafo é substituído em Setembro de 1979 pelo equipamento Mimer III, ampola de foco fino e grosso, cadeira basculante RCT3, gerador Tridoros 150, seriógrafo automático Puck e máquina automática reveladora de películas e entra em funcionamento em Outubro de 1980.

Marca o início de uma nova era Neurorradiológica no CNL,  que começa a receber estagiários de outras especialidades, dois de cada vez, por um período de 3 meses, com objectivo de adquirir conhecimentos e cumprir exigência curricular.

Melhora a qualidade e reduz o tempo de exame, dá mais conforto aos doentes na medida em que as angiografias passaram a ser feitas por cateterismo selectivo por via femoral retrógrada, com técnica de Seldinger, sob sedação anestésica (neuroleptoanalgesia), reduzindo o tempo de exame e maior comodidade para o doente, aumentando a capacidade de resposta do Serviço.

A cadeira RCT3, com fixação do doente e rotação no plano sagital do paciente e possibilidade de  tomografia,  permitia a realização da ventriculografia gasosa fraccionada, após injecção de ar aspirado através de chama, por via de punção lombar,  rodando o doente da posição sentada( IV ventrículo e aqueduto de Sylvius) para a posição deitada (III ventrículo e cornos frontais dos ventrículos laterais) e para a posição invertida, de cabeça para baixo( visualização dos cornos occipitais  e temporais). Nessa época ainda estavam a ser instaladas em Lisboa dois equipamentos de Tomografia Axial Computorizada (TAC) .

Em Maio de 1982, o Serviço de Neurorradiologia do CNL ganha a ansiada ajuda da Interna de Neurorradiologia, a Dra. Arceles Fernandes que termina o seu internato em 1987 e, depois de aprovada em Concurso público, ocupa o lugar de neurorradiologista do Serviço.

Com o Dr. Pratas Vital, são  introdutores da utilização da Metrizamida como contraste hidrossoluvel não iónico no uso de radiculografias, mielografias , algumas com punção latero-cervical C1-C2 e cisternografias do ângulo ponto cerebeloso, algumas complementadas por tomografia computoruzada já em funcionamento no privado.  A partir de 1984 passa a usar-se  o Iopamidol por ser mais económico, mais fácil de usar e com menor número de reações adversas.

Em 1984, com a entrada no quadro do CNL da segunda anestesista, Dra. Olga Malato, passou a haver maior facilidade na marcação de exames angiograficos.

Só em 1986 foi possível adquirir uma seringa de injecção automática.

Com os Professores Jaime Cruz Maurício e Augusto Goulão, do Serviço de Neurorradiologia do Hospital Egas Moniz, realizaram-se 3 sessões de embolização, duas no território da artéria carótida externa  e uma de malformação arteriovenosa vertebral profunda da região parieto-occipital.

Com o Dr. Martins Campos, foram realizados vários tratamentos da nevralgia do trigémeo com electrocoagulação do gânglio de Gasser, colaborando na orientação da agulha por radioscopia através do buraco oval da base do crânio.

Com o Dr. Hasse Ferreira foram também orientadas agulhas para electrocoagulação de ramificações nevosas retro facetárias lombares no tratamento de lombalgias crónicas.

Aparentemente, numa politica de redução de despesas, em 1988 a Ministra da Saúde Dra. Leonor Beleza decreta o encerramento definitivo do CNL e todo o pessoal é transferido para serviços correspondentes do Hospital de Egas Moniz. Assim, a Neurorradiologia do CNL é integrada no Serviço de Neurorradiologia do Hospital de Egas Moniz, sob a Direcção do Professor Cruz Maurício.

Cascais, 2020.