J. Almeida Pinto

Por sugestão do Presidente da SPNR, Dr. Rui Manaças, escrevo um breve texto alusivo ao nascimento e evolução da NR portuguesa no sentido de integrar/cimentar os textos dos colegas Teresa Garcia, Inês Carneiro, Cruz Maurício, Costa Reis e Joaquim Cruz. É mais para preencher entrelinhas. Do fundamental, já muito tinha sido dito, mas estes textos relembram contribuições importantes ao nível de todo o país para a criação da nossa especialidade. Uns na  primeira pessoa, Joaquim Cruz, Costa Reis  e Jaime Cruz Maurício, e outros, Teresa Garcia e Inês Carneiro,  referindo os colegas já falecidos  Francisco Faria Pais e Sousa Fernandes, refletem não só a luta no contexto próprio como também o orgulho de pertença a esta área da medicina.

Por força da exigência clínica das ciências neurológicas, na década de 60 do século passado, foi tomada consciência da necessidade de uma resposta neurorradiológica mais adequada às necessidades clínicas do que a forma precária e primitiva que os neurocirurgiões então tinham possibilidade de disponibilizar. E também mais consentânea com o que já se fazia noutros países.

Com origem nas ciências neurológicas ou na radiologia, essa consciência desabrochou um pouco por todo o país, com um pendor muito clínico por parte dos oriundos das ciências neurológicas e mais anátomo-radiológico por parte dos oriundos da radiologia. O resultado foi uma feliz imbricação das duas vertentes que ficou plasmada no currículo da especialidade.

Até ao reconhecimento da especialidade, o caminho não foi fácil, e os de nós mais antigos travámos muitas lutas que transparecem dos textos acima referidos. É notável tudo o que foi feito. Só a título de exemplo, porque não tenho espaço para falar de todos,  refiro a pertinaz e notável acão de Joaquim Cruz no Porto e Francisco Faria Pais em Coimbra que conseguiram atingir os mais altos níveis de qualidade num ambiente que, se não era frontalmente adverso, era, pelo menos, pouco colaborante. Em contraponto, Paulo Mendo, no HSA, teve toda a colaboração do Departamento de Doenças Neurológicas e a compreensão, disponibilidade e ajuda do competente e sempre presente no hospital, o saudoso  radiologista Dr. Júlio de Vasconcelos. No arranque inicial foi grande e estimulante a ajuda deste Senhor. De certo modo, contribuiu para que Paulo Mendo viesse a ser por  todos nós reconhecido como o fundador e o fermento de qualidade da Neurorradiologia portuguesa.

A NR era uma área de actividade composta por muita clínica e alguma habilidade de mãos para as técnicas então existentes. Tudo era, à luz do nosso olhar atual, muito primitivo, mas entusiasmante. Recordo a primeira MAV cerebral embolizada em Portugal, no HSA, com a presença e ajuda do Jaime Cruz Maurício, em que se injetava soro fisiológico com pequenos pedacinhos de dura plástica cortados ali mesmo à tesoura durante o ato, com base no raciocínio simples que o aumento de fluxo da MAV atraía só para si os corpos embolizantes. Difícil era avaliar quando parar. Este  paciente tinha uma volumosa hemorragia cerebral, estava em coma, e foi melhorando a seguir à embolização, tendo sido estabelecida relação causal entre ato e melhoria. Disso, tenho hoje dúvidas.

Parecia que os procedimentos neurorradiológicos eram bastante definitivos. Estavam ali para durar muito tempo, até que, com o advento da TC, tudo começou a modificar-se em ritmo acelerado.  As novas tecnologias, a passagem do analógico para o digital e a internet introduziram um grau tal de aceleração que originou um fosso entre os tais de nós mais antigos e os mais jovens. Os que se situaram na charneira entre os dois grupos tiveram o mérito de transferir valores antigos, bem estabelecidos, para os mais jovens e assimilar e compreender a importância da nova modernidade tecnológica. Os mais jovens, eu testemunho,  são profissionais brilhantes. É bem exemplo de elemento de charneira o Romeu Cruz que foi meu aluno e professor. Com ele e com sucessivas gerações de neurorradiologistas tenho continuado a aprender – aprender é bom. É que, os neurorradiologistas das novas gerações, de alto a baixo do país, são excelentes profissionais e têm preparação para encontrar caminhos de acesso ao conhecimento “mil vezes” mais rápidos, eficazes e eficientes do que os seniores tinham. Enquanto numa semana preparam uma preleção de alta qualidade, nós arrastávamo-nos  de revista em revista,  de tratado em tratado durante dois ou três meses para conseguir  resultado mais ou menos equivalente ao que hoje um interno prepara em alguns dias. A antiguidade dá sabedoria mas também lentidão; a juventude dá destreza e rapidez de resposta com qualidade. Mas não se esqueçam os mais jovens que tudo muda,   e a mudança é cada vez mais acelerada, com novas ruturas do estabelecido e, portanto, com risco de desatualização sempre presente, obrigando a um permanente esforço de acompanhamento. Portanto, à guisa de aviso, não é risco os jóvens ficarem velhos. É uma fatalidade. Esforcem-se. Preparem-se.

É meu prazer constatar que:

1) Há um progressivo continuum entre o início e o agora.

2) A semente que os mais antigos lançaram há mais de 50 anos germinou e floresceu até à especialidade que hoje temos , indiscutivelmente bela e culta. E agora respeitada, o que nem sempre foi.

Porto, 26 de Outubro de 2020-10-26

J. Almeida Pinto